Por Giselle Souza
Pelo artigo 12 da Lei 9.868/1999, o Supremo Tribunal Federal pode deixar de apreciar os pedidos de liminares contidos nas ações diretas de inconstitucionalidade ou nas ações declaratórias de constitucionalidade que chegam à corte e passar direto ao julgamento do mérito. A medida é excepcional e visa a resolução mais célere de casos emblemáticos — já que a legislação prevê a análise do caso em até 30 dias. Contudo, um levantamento feito pelo advogado Rafael Koatz mostra que, dos 361 processos protocolados entre 2012 e 2013, o STF aplicou o rito abreviado a 272 deles. E mais: poucos foram os casos até agora submetidos ao Plenário.
Segundo o advogado, o recorte revela muito mais que um meio de se tentar driblar a enorme demanda do STF. Uma das explicações dos ministros para recorrerem ao rito especial de tramitação está no artigo 10 da mesma lei que dita as regras para o julgamento das ADIs e ADCs. Esse dispositivo proíbe, salvo no período do recesso judicial, a concessão de medida cautelar de forma monocrática.
Porém, um fato recente pode significar uma saída — e, de certa forma, uma manifestação de irresignação por parte dos ministros — para essa espécie de círculo vicioso que o Supremo se envolveu, avalia o advogado. No último dia 21 de agosto, o ministro Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar após um pedido de vista da ministra Rosa Weber adiar o julgamento de uma ADI que teve início dias antes no Plenário. Até onde se tem notícias, essa é a primeira vez que uma medida assim é adotada no tribunal.
A liminar foi concedida na ADI 5326, ajuizada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) contra atos conjuntos do Poder Judiciário e do Ministério Público de São Paulo e de Mato Grosso que retiraram da Justiça estadual e repassaram à Justiça do Trabalho a competência para conceder autorização de trabalho artísticos para crianças e adolescentes. Marco Aurélio concedeu a liminar “por estar convencido da urgência na apreciação do tema”.
Koatz fez o levantamento para a tese de doutorado Deliberação e Procedimento no STF: Discutindo a Relação, que defendeu na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. No estudo, ele relata o processo de regulação do STF, que é feito por iniciativa de seus próprios integrantes. Na avaliação dele, a liminar inédita é um exemplo típico de como a corte pode ser reinventar.
E também de como pode, por meio de ações concretas, dar respostas à sociedade. De acordo com ele, o Supremo vem sendo muito criticado em razão de pedidos de vista que, nas palavras do ministro Marco Aurélio, são verdadeiros “perdidos de vista”. O caso mais exemplificativo é o do ministro Gilmar Mendes na ação que discute a constitucionalidade do financiamento privado das campanhas eleitorais. O pedido de vista, suspendendo o julgamento, foi feito há 17 meses.
“Essa nova situação muda a dinâmica do tribunal, pois permite que o relator de um caso não fique adstrito à conclusão desse julgamento no âmbito do plenário e implemente uma medida que ele considere urgente”, explica Koatz.
Apesar dessas manifestações, Koatz afirma que o Supremo precisa se empenhar para fazer valer seu papel de corte constitucional. “O STF vem ganhando essa importância, mas ainda não soube adaptar-se à essa nova realidade para qual foi redefinido a partir de 1988”, diz.
Nesse sentido, o advogado defende uma série de outras mudanças. Ele destaca três. “A primeira diz respeito à mudança cultural, interna aos próprios ministros, com relação à compreensão do papel da Suprema Corte na realidade brasileira atual. Outra mudança é interpretativa: o STF precisa revisitar e abandonar determinados dogmas que estão solidificados. Também são necessárias mudanças regimentais para dinamizar o processo de deliberação. Essas três dimensões precisam ser repensadas no âmbito do tribunal”.
Fonte: Consultor Jurídico